Artigo escrito por ADRIANO MURGEL
O transporte de cargas é, no Brasil e particularmente no estado de São Paulo, um dos obstáculos à competitividade brasileira no cenário internacional. Há anos se diz que a soja brasileira no campo é a mais barata do mundo e, no mercado externo, a mais cara. Tudo devido ao chamado custo Brasil, em que os transportes tem participação relevante.
O pior é que aquilo que computamos como custo do transporte é, na verdade, apenas uma parte. Com efeito, os fretes rodoviários calculados não levam em conta muitos fatores de custo, como o investimento feito nas rodovias (em algumas, pedagiadas, computa-se a conservação), e principalmente as chamadas “externalidades negativas”, como os custos oriundos da poluição, do consumo excessivo de energia, dos acidentes, etc.
Levando em conta esses fatores, de há muito se considera na Europa que a relação entre os custos de transporte na hidrovia, na ferrovia e na rodovia obedecem a relação 1 : 2 : 5. Aqui no Brasil, só agora se começa a perceber que o transporte rodoviário sempre foi subsidiado, demandando orçamentos públicos descomunais.
Mais ainda, começa-se a perceber que não há como atender às demandas rodoviárias ampliando espaços viários, elevando o peso e até a velocidade dos veículos, especialmente nos grandes corredores e regiões metropolitanas.
No Brasil, os transportes rodoviários representam 76% da matriz; em São Paulo, 80%. Mas nos Estados Unidos, país da indústria automobilística e das rodovias, somente 38% das cargas viajam de caminhão.
A nossa palavra de ordem, portanto, deve ser a da redistribuição modal, ou seja, reduzir a carga rodoviária através do maior aparelhamento das hidrovias e das ferrovias.
O Brasil tem cerca de 50 mil km de rios potencialmente navegáveis; São Paulo tem proporcionalmente muito menos. Mas, enquanto a tese do uso múltiplo das águas permeou as decisões governamentais do estado desde 1940, do que resultou a Hidrovia Tietê-Paraná, com 2.400 km, a União criou obstáculos em seus rios navegáveis, como a Usina de Tucuruí, que bloqueou o rio Tocantins, a Usina de Itaipu, bloqueando o próprio rio Paraná, e assim por diante. São Paulo também deslizou para esse caminho, interrompendo toda a possibilidade de navegação no rio Paranapanema, por exemplo.
Mas de alguns anos para cá São Paulo está retomando com ênfase a navegação fluvial. No primeiro período governamental de Geraldo Alckmin, foi decidido revitalizar a Hidrovia Tietê-Paraná, começando pela remoção de alguns obstáculos (pilares de pontes, curvas acentuadas, etc.) tendo como objetivo fazer crescer o transporte por meio dessa via. Ao mesmo tempo, determinou-se a realização de um Plano Estratégico Hidroviário, que abriu os horizontes do transporte fluvial. Uma das primeiras consequências foi o convênio feito com a Transpetro e a BR Distribuidora, para estudo do transporte de etanol por navegação.
Desse convênio resultou a decisão da Transpetro de seguir esse rumo, tendo ela já adotado medidas para a compra de 20 comboios, com 80 barcaças, para promover a quadruplicação do transporte hoje realizado naquela hidrovia, assim como para a implantação de três importantes terminais de coleta e distribuição. Mas ficou visível, também, que o açúcar produzido pelas mesmas usinas de álcool poderia seguir igual caminho, até conchas, onde o álcool será transferido para dutos, para chegar ao mar, e o açúcar pode ser levado à ferrovia, para o transporte até Santos.
Agora se lê no Estadão de 15/04/11 que os governos do Estado e da União decidiram realizar um conjunto de obras para aumentar a capacidade da Hidrovia Tietê-Paraná, abrigando inclusive o transporte de cargas que possam ser transferidas em Conchas para a ferrovia, através da construção de um ramal de 15 km.
É a segunda etapa de uma visão que o próprio governador paulista teve em seu primeiro governo. A ela, certamente seguirão outras, previstas inclusive no Plano Estratégico Hidroviário, a começar pelo estudo da viabilidade do transporte fluvial nos rios limítrofes do estado, rio Grande e rio Paranapanema, que já têm grandes lagos, dependendo de instalar eclusas nas barragens. Mas também olhar para rios interiores, como Mogi, Paraíba e Ribeira de Iguape, que já tiveram transporte fluvial para cargas e passageiros.
Dos entendimentos com a União devem resultar obras como as eclusas de Itaipu e São Simão, que darão ao rio Paraná uma extensão navegável muito maior, construindo uma hidrovia que pode ir de Goiás ao rio da Prata, na direção da hidrovia de integração continental sonhada por Franco Montoro.
Para provocar outras paragens, é interessante lembrar que o transporte hidroviário brasileiro representa 14% do total, na matriz de cargas. Para chegar a 30%, numero compatível com a dimensão continental do Brasil e com a imensidão de seus rios, são necessárias 205 intervenções, a um custo de 16 bilhões de reais. Em compensação, o retorno desse investimento se dará em ano e meio, através da redução dos custos dos transportes.
É preciso falar mais da necessidade e das possibilidades da redistribuição modal no Brasil?